Roberto Anderson: O velho herói

'A família é cada vez mais o seu mundo. O outro, o mundo de fora, segue sendo um lugar de guerras e conflitos. Mas, sempre há belos ideais. Ele pode escolher a desilusão, mas prefere ter esperança'

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Numa cena do filme Blade Runner, já quase no final, a vida do herói depende do ciborgue que o venceu. Olhando o herói ali prestes a cair no vazio, pendendo de sua mão, o ciborgue lhe fala da pena que sente em ver se apagar uma vida, a sua vida artificial, cheia de aventuras além da imaginação humana. Em sua existência, com duração programada, o ciborgue foi a lugares, planetas, galáxias, que o herói ali vencido jamais poderia ter ido. Viu maravilhas, jamais imaginadas. Ele acredita que o que viu, e sentiu, foi com um olhar e um sentimento extremamente humanos. E, no entanto, agora sua vida se apagava. Mas antes, ele pode salvar o herói ou deixá-lo cair. Talvez, o mesmo sentimento de pena, mas por outra vida que deixaria de existir, pelas memórias daquele ser, que deixariam de ser transmitidas, o fazem erguer o herói e poupar a sua vida. Ele o faz no momento em que a sua própria vida se apaga. É belo.

O velho compartilha, um pouco, com o herói e o ciborgue esse sentimento de acúmulo de memórias. Tanto já foi vivido! Às vezes, até lhe parecem ser diversas vidas. E talvez o sejam. Ao contrário do ciborgue, o seu fim não é programado, não há um prazo definido, apesar de sabê-lo certo. O velho continua vivendo, e mudando. Mudando e vivendo enquanto for possível.

O velho não tem nada de forte ou de destemido. Simplesmente sobreviveu. Olhando para trás, talvez se veja como um Forest Gump, um ageiro distraído da vida, que alterna experiências, agora sem saber muito bem o porquê de tudo isso. As decisões que tomou, as lutas que lutou são só suas, mesmo quando vividas coletivamente. Os amores que teve são lembranças que o fazem sorrir. As dores da sua vida doem menos que as da velhice.

Se ele já teve algum poder, hoje está na planície. Faz esforço para ser ouvido. Ele agora fala sem censura, pragueja contra injustiças e amaldiçoa os poderosos sanguinários. A família é cada vez mais o seu mundo. O outro, o mundo de fora, segue sendo um lugar de guerras e conflitos. Mas, sempre há belos ideais. Ele pode escolher a desilusão, mas prefere ter esperança.

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Roberto Anderson
Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

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