A petição que ninguém esperava
No dia 27 de maio de 2025, a Justiça do Trabalho da 5ª Região, em Salvador, recebeu uma ação que rapidamente ultraaria os limites do Judiciário e tomaria de assalto as redes sociais, os grupos de WhatsApp jurídicos e até os veículos da grande imprensa.
O caso envolvia uma recepcionista que, alegando ter desenvolvido profundo vínculo emocional com uma boneca do tipo bebê reborn, pleiteava a rescisão indireta do contrato de trabalho, indenização por danos morais e o pagamento de salário-família retroativo. No corpo da petição, a autora relata que chegou a solicitar à empresa licença-maternidade de 120 dias, mas o pedido foi negado, acompanhado de zombarias e constrangimentos que teriam abalado sua saúde psíquica.
Embora essa licença-maternidade não tenha sido formalmente requerida como pedido ao Judiciário, a associação imediata entre “bebê reborn” e “licença” já era explosiva o suficiente para provocar reações virulentas e interpretações dúbias. O texto da petição inicial, emocional e juridicamente arriscado, não apresentava os cuidados mínimos de técnica e clareza esperados de um caso potencialmente sensível. O que poderia ser interpretado como uma denúncia de assédio moral tornou-se, quase que instantaneamente, piada pública — antes mesmo de qualquer pronunciamento judicial.
A acusação de fraude e o pedido de providências
No dia seguinte, 28 de maio, o caso ganhou contornos ainda mais delicados. O advogado José Sinelmo Lima Menezes, cujo nome aparecia nos autos como patrono da autora, apresentou uma manifestação negando qualquer vínculo com a parte autora ou com a causa.
Na petição, ele alega ter sido vítima de fraude, pois seus dados profissionais (nome e número da OAB/BA) teriam sido utilizados indevidamente em uma procuração anexada ao processo. Ele aponta que a petição inicial foi assinada eletronicamente por outra advogada, Vanessa de Menezes Homem, o que demonstraria que uma procuração falsa foi utilizada para dar aparência de regularidade à representação processual.
A denúncia é grave: além de possível falsidade ideológica, o uso indevido de sua identidade profissional em um caso de repercussão nacional, sem qualquer ciência ou consentimento, causou danos diretos à imagem e à reputação do advogado. José Sinelmo pediu que seu nome fosse desentranhado dos autos, que o Ministério Público fosse oficiado para apuração criminal, e que a OAB/BA instaurasse processo ético-disciplinar contra a advogada responsável.
Desistência, ameaças e retirada estratégica
Ainda no dia 28 de maio, horas após a denúncia de fraude apresentada pelo advogado José Sinelmo, a advogada da Reclamante protocolou um pedido de desistência da ação trabalhista, com base na gravidade da repercussão sofrida nas redes sociais e fora delas.
Segundo a petição, em menos de 24 horas da ação ser ajuizada, a autora e sua representante foram expostas a uma onda de ataques virtuais, centenas de mensagens ofensivas, incitações à violência em grupos de WhatsApp, e até tentativas de contato presencial — incluindo visitas à residência da advogada às 5h da manhã.
A advogada afirma que houve distorção do conteúdo da petição, sobretudo pela associação das expressões “bebê reborn” e “licença-maternidade”, o que gerou interpretações fora do contexto, amplificadas pela mídia e pelas redes sociais.
Diante da dimensão da crise, a petição requer que o processo seja colocado sob segredo de justiça; seja homologada a desistência da ação e que fique registrada a renúncia expressa aos prazos recursais.
Introdução à sequência documental
Para que o leitor compreenda a cronologia e a gravidade dos acontecimentos, apresento em seguida os resumos organizados das três manifestações judiciais que compõem o caso:
1. PETIÇÃO INICIAL – AÇÃO DO BEBÊ REBORN
Autora: MAIRA CAMPOS LEITE
Advogada: Vanessa de Menezes Homem (OAB/BA 32.173)
Reclamada: Panorama istração e Negócios Imobiliários LTDA
Processo: 0000457-47.2025.5.05.0016
Data da Autuação: 27/05/2025
Valor da Causa: R$ 40.000,00
Resumo:
A autora, recepcionista contratada desde 2020, alega ter desenvolvido um vínculo materno afetivo com um bebê reborn, que trata como filha. Relata que solicitou à empresa licença-maternidade de 120 dias e o pagamento de salário-família, mas foi alvo de zombarias e constrangimentos. Embora mencione esse pedido de licença-maternidade à empresa no texto, não o formaliza como pedido judicial.
Pedidos formais feitos:
- Tutela antecipada para reconhecimento imediato da rescisão indireta
- Rescisão indireta com verbas rescisórias
- Indenização por danos morais de R$ 10.000,00
- Pagamento retroativo do salário-família
- Justiça gratuita
- Provas testemunhais e pericial psicológica
Veja essa petição no seguinte sítio:
https://drive.google.com/file/d/1YXJy8gyR2yJrNhtjQApWFIp_VwEL8uoy/view?usp=drivesdk
2. MANIFESTAÇÃO COM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS E REPÚDIO
Autor: José Sinelmo Lima Menezes (Advogado – OAB/BA 63.387)
Data: 28/05/2025
Resumo:
O advogado José Sinelmo Lima Menezes manifesta total repúdio ao uso indevido de seu nome e número de inscrição na OAB/BA nos autos da ação trabalhista. Ele afirma nunca ter tido qualquer relação com a autora da ação, e que não autorizou o uso de seus dados profissionais.
A petição inicial foi assinada eletronicamente por outra advogada, Vanessa de Menezes Homem, o que levanta suspeita de procuração fraudulenta. Sinelmo relata danos à sua imagem profissional com repercussão negativa em redes sociais e na imprensa.
Pedidos:
- Desentranhamento do seu nome dos autos
- Comunicação ao Ministério Público (possível falsidade ideológica)
- Processo disciplinar na OAB/BA contra a advogada
- Retirada de seu nome de futuras publicações processuais
- Registro formal de que não representa a parte autora
Veja essa petição no seguinte sítio:
https://drive.google.com/file/d/1etkrODiCdQaMp1xJyE2eCwKcB2Jm_XtY/view?usp=drivesdk
3. URGENTE – REQUERIMENTO DE DESISTÊNCIA DA AÇÃO
Autora: MAIRA CAMPOS LEITE
Advogada: Vanessa de Menezes Homem (OAB/BA 32.173)
Data: 28/05/2025
Resumo:
Após a viralização do caso, a advogada da autora relatou que sua cliente e sua equipe foram alvos de centenas de mensagens ofensivas, incitações à violência, e até visitas à residência da advogada às 5h da manhã. A exposição foi agravada pela interpretação pública sobre o vínculo afetivo com o bebê reborn.
A defesa afirma que a ação foi mal interpretada e distorcida, gerando risco à integridade física e psíquica das partes envolvidas. Por isso, requer a desistência da ação, o segredo de justiça e a renúncia expressa aos prazos recursais.
Veja essa petição no seguinte sítio:
https://drive.google.com/file/d/1_gpNrqNQTxD_tKre-99sBedQoPD4lJjb/view?usp=drivesdk
Repercussão fora do controle
A essa altura, o caso já havia ultraado qualquer controle narrativo. Matérias foram publicadas em sítios como Bahia Notícias, BNews, JOTA, Migalhas, Poder360 etc. A imprensa se dividiu entre o inusitado do pedido, o aspecto ético da suposta fraude processual e o impacto da viralização.
Enquanto isso, nas redes sociais, os comentários oscilavam entre o deboche, a indignação e o linchamento puro e simples. A expressão “mãe de bebê reborn” virou meme. Discussões que poderiam ter sido feitas com sensibilidade sobre maternidade não biológica ou saúde mental foram rapidamente soterradas por piadas fáceis e julgamentos sumários.
Mais grave: colegas da advocacia foram identificados incitando agressões físicas e ameaças à integridade da autora e da sua defensora. Isso nos leva a uma segunda camada de reflexão — sobre a intolerância que domina os debates públicos e o uso de redes sociais como arenas de execução simbólica e, por vezes, literal.
O que aprendemos com tudo isso?
O caso da ação envolvendo uma mulher e sua boneca reborn é, antes de tudo, um alerta sobre o uso do processo judicial como instrumento de validação emocional sem a devida técnica. É também um lembrete de que a forma — no Direito — importa tanto quanto o conteúdo. Uma petição mal escrita não só compromete a causa: transforma-a em munição para chacotas e condenações paralelas.
Ao mesmo tempo, o episódio levanta questões éticas relevantes: o uso indevido do nome de um advogado em processo alheio, a banalização das acusações, e os riscos que correm os profissionais e partes envolvidas quando os autos são julgados não por magistrados, mas por timelines.
Por fim, o riso coletivo talvez diga mais sobre nós do que sobre a autora da ação. O Judiciário não é — nem pode ser — uma trincheira de afeto puro, mas tampouco deveria ser reduzido a meme. Um processo judicial não é um roteiro de comédia, mas esse caso, infelizmente, virou uma tragicomédia jurídica nacional.
A licença que deveria ser requerida é de saúde para se tratar…
Bem apontado, Daniel. Um abraço. Antônio Sá
Desculpe-me. Mas ainda que tenha sido reclamado de assédio moral. A autora procurou por isso. Achar que ser “mãe” de boneca teria direito de pedir licença maternidade (oi?) daqui a pouco também licença maternidade alegando “mãe” de cachorro, papagaio, planta.
Se colega no trabalho assim agisse, tem mesmo que virar chacota. E levanta duvida se não o fez (requer licença) com essa intenção mesmo de sofrer chacota para (depois) reclamar de assédio…
Pode ser, Daniel. Um abraço. Antônio Sá