Por Cristina Cruz
A morte em série de gatos no antigo Jardim Zoológico, localizado no bairro de Vila Isabel, na zona norte do Rio de Janeiro, levantou suspeitas de envenenamento e chamou a atenção para o abandono de um espaço que há anos enfrenta negligência por parte do poder público. O local, hoje conhecido como Parque Recanto do Trovador, abriga uma colônia felina cuidada por voluntários e também é ponto de lazer para moradores da região — ou ao menos deveria ser.
Entre os dias 14 e 25 de maio, pelo menos dez gatos da colônia morreram de forma repentina e sem sinais visíveis de violência. Protetoras que acompanham os animais há anos acreditam se tratar de caso de envenenamento. Sacos com restos de ração misturados a um pó escuro e pequenos grânulos pretos foram encontrados no local onde os gatos costumam se alimentar.
“Acreditamos que seja chumbinho, mas não conhecemos ninguém que possa analisar para a gente. Estamos tentando descobrir para onde podemos mandar esse material”, relata uma das protetoras, que preferiu não se identificar.
Na manhã desta terça-feira (27), uma equipe da Secretaria Municipal de Proteção e Bem-Estar Animal esteve no parque. Foram recolhidos três corpos de gatos para realização de necropsia, com o objetivo de determinar a causa da morte e confirmar se houve envenenamento. A equipe também recolheu amostras da ração possivelmente contaminada, que haviam sido preservadas pelas protetoras — o alimento estava ao lado de dois dos gatos encontrados mortos.
Os relatos são acompanhados de dor e indignação. “O mais triste é ver o sofrimento desses animais, que já enfrentam o abandono, a fome, a chuva, e agora estão sendo mortos. Nós cuidamos deles há anos. É desesperador ver isso acontecer e não saber como impedir”, desabafa uma das voluntárias.
O grupo responsável pelos cuidados atua de forma voluntária e sem apoio governamental. São quatro pessoas fixas, com ajuda pontual de vizinhos. Seguem o método CED (captura, esterilização e devolução) e fazem os cuidados pós-operatórios em casa. Além disso, mantêm uma parceria com uma ONG para disponibilizar os gatos para adoção em um pet shop por até 30 dias.
“É uma rotina puxada, mas gratificante. Cada animal salvo é uma vitória. Só não esperávamos precisar lidar com uma ameaça tão cruel assim”, conta uma das cuidadoras.
A venda e o uso do chumbinho — um pesticida altamente tóxico e ilegal no Brasil — são proibidos. A substância é letal tanto para animais quanto para humanos. A Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), reforçada pela Lei Sansão (14.064/2020), prevê até cinco anos de prisão para crimes de maus-tratos contra cães e gatos.
Parque em colapso: abandono afeta pessoas e animais
Além da preocupação com os animais, a situação do próprio Parque Recanto do Trovador é alarmante. Localizado entre Vila Isabel e Engenho Novo, o espaço, que deveria ser área de convivência, esporte e lazer, enfrenta um quadro crônico de abandono.
A estrutura física está comprometida: grades roubadas, esgoto a céu aberto, infestação de mosquitos, iluminação precária e campo de futebol desativado. “A situação está gritante. A água do lago parece esgoto. Tá difícil até trazer um filho pra ear aqui. É muito triste pra quem cresceu nesse espaço”, relata um funcionário público de 56 anos, morador da Vila há cinco décadas.
A fonte, que já foi ponto de referência, não funciona. Segundo os moradores, quase metade da iluminação está comprometida, e o mato alto só é cortado “de vez em quando”. Há relatos de viaturas paradas nas esquinas, mas sem ações efetivas.
“Corro aqui dia sim, dia não. É revoltante ver um espaço com tanto potencial ser tratado com esse descaso”, diz um enfermeiro de 34 anos, do Engenho Novo. “Deveria ser revitalizado e voltar a ter vida.”
A área, uma das poucas opções verdes da região, ainda serve de espaço para adestramento de cães e atividades físicas, mesmo sem estrutura mínima. “É o único lugar onde os cães conseguem correr e se exercitar. Venho de dia e de noite, mas o risco é grande. O parque precisa ser revitalizado urgentemente”, diz Ricardo Santos da Silva, tutor de cachorro e frequentador habitual.
Já o adestrador Dário Gonçalves ressalta o impacto na infância e juventude do entorno. “O mínimo que a gente pede é um pouco de dignidade. Espaço para esporte, para as crianças se ocuparem. O parque existe, mas está sendo destruído pelo abandono.”
Comunidade pede socorro
Moradores e protetores pedem ações urgentes tanto para investigar as mortes dos gatos quanto para recuperar o espaço público. “Esse lugar é essencial. Não só para os animais, mas para quem mora aqui. É inissível que a Prefeitura feche os olhos para isso”, conclui uma das cuidadoras.
O Parque Recanto do Trovador hoje é reflexo do que acontece quando o poder público se ausenta: vidas em risco, abandono crescente e uma população tentando, com os poucos recursos que tem, manter de pé o que resta de dignidade urbana.







