Checamos: só 12 órgãos estaduais de tombamento no Brasil estão em funcionamento.

Mais de 70% das cidades brasileiras não possuem um museu sequer para chamar de seu. Para o museólogo Rafael Azevedo, não há como sustentar uma política séria de memória diante desse cenário.

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Ruínas da Igreja de São Joaquim da Grama em 2013 – Rio Claro/RJ / Foto do Autor

Conheci um padre quando entrei no serviço público, por volta de 2006/2007, que mais tarde se tornaria meu grande amigo. O motivo do nosso primeiro contato foi o desejo que ele tinha de doar ao IPHAN o cemitério centenário que istrava. Estabelecemos um profícuo diálogo por meio da troca de ofícios. Ele pretendia que o local fosse transformado em um museu com temática funerária. Meu chefe de então — que também havia sido meu professor na graduação, e a quem também muito iro — orientou-me a negar a solicitação, mas sugeriu que o referido pároco procurasse a istração municipal, já que o patrimônio em questão era, de fato, muito relevante e não poderia ser abandonado.

O expediente de recorrer à municipalidade é, portanto, fundamental no caso do salvamento de bens culturais em risco de descaracterização ou destruição, uma vez que os processos de tombamento em nível nacional — e mesmo estadual — podem levar muito tempo.

Porém, ao contrário do que ilustra o caso acima, a maioria das cidades brasileiras não possui nenhuma legislação ou conselho de tombamento. Também em nível estadual, identificamos que, das 27 unidades federativas, apenas 12 possuem institutos ou conselhos de patrimônio ativos. Muitos deles, como revelamos no artigo de 25 de maio, utilizam o nome “instituto” — talvez pela influência histórica que o IPHAN exerça nos corações e mentes do campo da preservação cultural —, mas sequer são formalmente instituídos e não possuem orçamento, pessoal ou sede próprios.

Ora, como pretendemos proteger nossos bens culturais mais íntimos — geralmente associados à realidade das comunidades e bairros, e mais vulneráveis à especulação do mercado — sem órgãos estaduais e municipais estruturados? Se é justamente a jurisdição local que costuma ser mais sensível a tais casos — e muitas vezes também mais célere na salvaguarda desse patrimônio. Enquanto estados e municípios ignoram seu dever de preservar a memória coletiva, comunidades inteiras seguem invisibilizadas — e seus patrimônios, ameaçados.

Nesta semana que se encerrou, um influenciador digital de extrema-direita criticou a existência dos cursos superiores de Museologia, Biblioteconomia e Arquivologia, sob o argumento de que não haveria mercado para a formação de tantos profissionais dessas áreas. Além de revelar um pensamento raso sobre o tema — atacando profissões regulamentadas que são verdadeiros pilares de sustentação de um corpo técnico e intelectual voltado à preservação da memória —, há um erro lógico em sua crítica: se mais de 3.500 cidades no Brasil não possuem, por exemplo, sequer um museu municipal, a demanda está posta (e represada) diante de nós.

À luz do que expomos acima, precisamos — não apenas os arautos e diletantes do patrimônio, mas nós, enquanto sociedade — elaborar um aparato legal que obrigue estados e municípios a tutelar seu patrimônio cultural e a oferecer o, proteção, reconhecimento e fruição dele. Isso inclui a criação, no mínimo, de um museu, uma biblioteca e um arquivo público por cidade, para reunir aquilo que há de mais relevante na memória local. Tal ação, ao contrário do que pensam muitas mentes retrógradas que acreditam que tombar e proteger o patrimônio é ser inimigo do progresso, visa garantir o mínimo de cidadania, memória, identidade e desenvolvimento sustentável para milhões de brasileiros que não vivem nos bolsões de progresso e desenvolvimento do país — que, quando o assunto é cultura, são tão diminutos que mal alcançam as franjas das regiões metropolitanas de capitais como o Rio de Janeiro.

Eu, criado na Baixada Fluminense, sei bem: minha cidade é praticamente vizinha da capital cultural do país — e não tem um museu sequer, nem arquivo municipal ou biblioteca pública.

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