O Paradoxo da Preservação no RJ: uma análise sobre a fragilidade estrutural do INEPAC e do IRPH diante da magnitude do acervo que devem proteger

O INEPAC, instituto que não é instituto e sequer possui sede permanente e orçamento próprio, luta junto com o IRPH municipal contra a escassez de recursos e de pessoal qualificado. Apesar disso, nosso patrimônio depende deles. É o que explica o museólogo Rafael Azevedo

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O estado do Rio de Janeiro concentra uma significativa parcela dos bens tombados do Brasil. Segundo dados do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 2014 a capital fluminense já possuía seis jardins e parques históricos, 14 conjuntos urbanos, 62 edificações, 13 equipamentos urbanos, 12 paisagens naturais, dez bens integrados e quatro coleções e acervos protegidos pelo instituto. Além disso, o estado abriga quatro títulos de Patrimônio Mundial da UNESCO, incluindo o sítio arqueológico do Cais do Valongo.

Para dar conta, a nível regional, da política de proteção ao patrimônio cultural, o INEPAC (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural) foi criado oficialmente em 1975, após a fusão dos antigos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro. Sua origem remonta ao Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico da Guanabara – o primeiro órgão estadual desta natureza, instituído em 1964 por decreto do então governador Carlos Lacerda. Esse serviço foi posteriormente reestruturado como Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico da Guanabara (DPHA), que deu início aos primeiros tombamentos estaduais, como o do Parque Lage.

O IRPH (Instituto Rio Patrimônio da Humanidade), por sua vez, é mais recente. Foi fundado em 2012, após o reconhecimento da cidade do Rio de Janeiro como Patrimônio Mundial pela UNESCO, na categoria de Paisagem Cultural Urbana. Seu ato de criação está no Decreto nº 35.879, de 5 de julho de 2012, posteriormente ratificado pela Lei nº 5.547, de 27 de dezembro do mesmo ano. O IRPH foi concebido para assumir e aprimorar atribuições anteriormente dispersas em subsecretarias ou setores da Secretaria Municipal de Cultura, com foco em preservação, tombamento e educação patrimonial.

Atualmente, porém, o que mais aproxima INEPAC e IRPH são os desafios institucionais. O primeiro, embora nominado como instituto, jamais foi estruturado como tal. Funciona, na prática, como uma superintendência subordinada à Secretaria de Estado de Cultura, sem orçamento próprio, sede definitiva ou quadro técnico exclusivo. Essa condição vem sendo denunciada há decênios por especialistas e veículos de imprensa como um dos fatores que fragilizam as ações de preservação no estado. Infelizmente, até hoje nada foi feito, e o órgão precisa de semanas para cumprir diligências básicas, uma vez que até o uso de veículos oficiais tem sido contingenciado.

O IRPH, ainda que formalmente criado por lei, também opera com suas limitações. Soma-se à escassez de recursos a exiguidade de quadros técnicos, diante de um volume expressivo de demandas.

A rotatividade nas gestões, a ausência de concursos públicos e a inexistência de carreiras específicas comprometem a continuidade das ações em ambos os órgãos. Quando se trata de bens móveis e integrados, o desafio é ainda mais crítico, pois essas atividades são conduzidas com esforço hercúleo e, por vezes, quase individual — lembrando que essa categoria é a mais numerosa entre os acervos tombados, ultraando, em escala nacional, a casa do milhão.

Toda essa precariedade institucional escancara um paradoxo: os dois órgãos responsáveis por zelar por um dos maiores conjuntos patrimoniais do país operam sem a estrutura mínima necessária para exercer plenamente suas funções. São organismos istrativos teratológicos, à margem de uma política de Estado adequada, desprovidos de respaldo técnico e orçamentário compatível com a envergadura de suas atribuições.

Não obstante o cenário alarmante, INEPAC e IRPH continuam desempenhando papéis essenciais na proteção e valorização do patrimônio cultural fluminense e carioca. Realizam tombamentos, inventários, fiscalizações e ações educativas que impactam diretamente a preservação de bens que vão desde igrejas coloniais no interior até paisagens urbanas de reconhecimento internacional. Mesmo enfraquecidos, esses órgãos permanecem briososna linha de frente da defesa da memória e da identidade de milhões de brasileiros.

É justamente diante da enorme responsabilidade que recai sobre ambos — num estado com tamanha relevância patrimonial — que sociedade civil, pesquisadores e gestores públicos devem cobrar sua consolidação institucional. Transformar o INEPAC em instituto de fato e de direito e garantir maior autonomia e estrutura ao IRPH são os urgentes para que a preservação no Rio de Janeiro esteja, enfim, à altura de seu próprio ado.

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